E ainda Felgueiras, para que não se esqueça!!!
Texto de Paquete de Oliveira no Jornal de Notícias de 2005/09/24
O caso Fátima Felgueiras é grave de mais para permitir silêncios. Ridiculariza o Estado de Direito, as suas leis e instituições. Compromete todos aqueles que ainda lutam para que não se faça do "edifício social" uma "bola de pano" para brincar a um canto da rua.
À hora a que escrevo, não sei, nem consigo adivinhar, o que sobre ele irá dizer o senhor primeiro-ministro na anunciada entrevista com Judite de Sousa. Não foi José Sócrates o responsável da conduta "psiana" neste "affaire", muito discutível e dúbia, desde a primeira hora em que o caso despontou. Mas é a Sócrates que cabe agora responder às questões que se põem (mesmo na qualidade de secretário-geral), não tanto sobre Fátima Felgueiras, mas sobre o Estado e sobre quem por ele responde. Não é possível refugiar-se na evasiva, porventura "politicamente correcta", de que "sobre questões de Justiça, compete à Justiça pronunciar-se". É o Estado e os seus responsáveis que têm de pronunciar-se sobre o estado da Justiça.
Estamos perante um caso em que as diferenças entre "o que é" e "o que parece" são importantes. Não será (ou parece apenas?) que Fátima Felgueiras estava acusada por crimes de corrupção e peculato? Estava, e está, por provar a acusação. E por isso prevalecia, e prevalece, a sua inocência até ser julgada em juízo. Certo ou errado, o Tribunal decretara a sua prisão preventiva. Fátima Felgueiras consegue a fuga antecipada para o Brasil. Igual sorte não conseguiram Vale e Azevedo ou Carlos Silvino e tantos outros.
Tecnicamente, nem está em causa (o que é) a fundamentação jurídica da juíza Maria Gabriela, do Tribunal de Felgueiras. Fátima não fugira, "encontrava-se ausente, alegadamente para o Brasil, inviabilizando a execução da medida", decretada em Maio de 2003, pelo Tribunal. Agora, conforme escreve a magistrada no seu despacho, estão alterados os pressupostos que poderiam impor a "prisão preventiva".
Mas, o que parece, a quem está de fora é que nada disto é assim. Politicamente, "não basta ser, é preciso parecer". E o que parece é a fuga. É o regresso, a entrega às autoridades, com tudo muito bem tratado e combinado. É um jogo jogado com inteligência, com hábil manipulação das armadilhas ou furos que a lei tecnicamente tece para dar cabo de alguns e salvar outros, com astúcia, poder e dinheiro, fazendo gato-sapato dos fundamentos que nos fazem julgar que vivemos num mundo em que a defesa entre "o que é" e "o que parece" está salvaguardada.
Nem a vida nem o país se reduzem a episódios destes. Mas cenas destas desconfortam quem pensa que vale fazer da existência uma coisa séria.
E já nem vale a pena escrever sobre isto. Fátima Felgueiras está aí. Vai ganhar as eleições. Vai demonstrar como o sistema é frágil. Lutou com as suas armas, com as ajudas que lhe deram. O modo como ela e o seu stafe do movimento "Sempre Presente" têm actuado tornou-se paradigmático. Uma acção perfeita para ganhar eleições. Destituir uma eventual presidiária em chefe de um povo que a ama e nela acredita, mandando às urtigas essas coisas de um Estado de Direito e rindo daqueles que nele acreditam. Até agora, foi Fátima que deu coisas a esse povo, que lutou por ele. A imperturbabilidade de Fátima Felgueiras é notável. Não duvida da sua inocência. Da sua vitória. Este caso é quase passional. Quem duvidar disto corre o risco de ser "linchado", como Assis o ia sendo. Os zeladores do templo do Estado de Direito, por sua vez, estão confiantes. Não duvidam que, no fim, leve o tempo que isto levar, a lei, o direito sobre que assenta o edifício social, subsistirão. Acreditam no fim do fim. Conta a história que os zeladores morreram com a queda do templo.
Este jogo entre o que parece e é está a tornar-se perigosíssimo.
Paquete de Oliveira escreve no JN, semanalmente, aos sábados.